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Linda Rosa

quarta-feira, 25 de junho de 2014
             
Larissa Rossi Silva, acadêmica do terceiro período de Psicologia da PUCPR Toledo.
Resenha corrigida pela professora da PUCPR Toledo Miriam Izolina Padoin Dalla Rosa.


                                           
"Linda Rosa", de Maria Gadú

A música Linda Rosa, cuja composição é obra de Gugu Peixoto e Luíz Kiari, ficou conhecida na voz da cantora Maria Gadú:

Pior do que o melhor de dois
Melhor do que sofrer depois
Se é isso que me tem ao certo
A moça de sorriso aberto

Ingênua de vestido assusta
Afasta-me do ego imposto
Ouvinte claro, brilho no rosto
Abandonada por falta de gosto

Agora sei não mais reclama,
Pois dores são incapazes
E pobre desses rapazes
Que tentam lhe fazer feliz

Escolha feita, inconsciente
De coração não mais roubado
Homem feliz, mulher carente
A linda rosa perdeu pro cravo

Pretende-se aqui, tecer uma análise interpretativa do conteúdo dessa música a partir da teoria psicanalítica. É importante frisar, entretanto, que esta interpretação parte de um ponto de vista específico, podendo também ser vislumbrada a partir de outros vieses.
Na primeira estrofe, é possível estabelecer uma sinopse da história que será desenrolada: aquela em que narra a trama, conta seu desconsolo ao saber da moça que a encantou “moça de sorriso aberto”, a preferência em abrir mão de um relacionamento amoroso entre duas pessoas, ao ter que sofrer nessa circunstância. Trata-se, portanto, do apreço existente na relação entre duas mulheres que se amam, onde uma delas enfrenta um dilema, o qual, parece ter sido resolvido.
A narradora surpreende-se, no primeiro verso da segunda estrofe, “ingênua de vestido assusta”, com a aparência feminina, pelo visto, incomum da moça (personagem). Embasando-se no texto de Freud, Três Ensaios Sobre a Sexualidade, o objeto sexual da personagem, isto é, “a pessoa de quem provém a atração sexual” (Freud, 1905/2006, p. 128) diz respeito ao sexo feminino. Esse texto aborda a escolha de objeto homossexual, e discute a teoria do hermafroditismo psíquico. Freud acredita que, a mulher, nessas condições, sente-se como se sua psique fosse masculina e, então, passa a comportar-se como tal. Sobre essas considerações, Freud ressalva o fato de que essa não é uma característica universal seja entre mulheres ou homens (Freud, 1905/2007), porém, pode ser visualizada na música em questão.
O segundo verso da mesma estrofe faz menção a um conceito primordial da teoria psicanalítica: a segunda tópica freudiana - constituída pela definição de id, ego e superego. O ego, segundo Freud (1923/2006, p.39), “representa o que pode ser chamado de razão e senso comum” e exerce uma resistência sobre os conteúdos inconscientes, controlando, dessa forma, o id, o qual é constituído pelas paixões, ou melhor, pelas pulsões. A terceira instância, o superego, internalizado após a passagem pelo Complexo de Édipo, tem por característica ser punitivo ao impor o que é considerado correto pela cultura de uma sociedade - nesse caso, amar de modo heterossexual (Freud, 1923/2006). Assim sendo, o verso “afasta-me do ego imposto” simboliza o anseio de poder viver conforme seus desejos, sem as repressões e repreensões advindas da sociedade e do próprio superego.
Nas relações da personagem com o sexo oposto, faltava-lhe o sentimento recíproco. O homem, sem alternativa, passava a ser ouvinte das confissões da moça, cuja escolha objetal a impedia de amá-lo. Devido a isso, era abandonada, conforme os dois últimos versos da segunda estrofe.
A terceira estrofe - mais precisamente os dois primeiros versos - indica a conformação da personagem “agora sei não mais reclama” com sua escolha objetal e, por conseguinte, com seu sofrimento “pois dores são incapazes”, visto que as dores não são capazes de fazê-la amar os homens, tampouco, são suficientes suscitar a coragem de assumir sua posição sexual na relação com o outro. “E pobre desses rapazes que tentam lhe fazer feliz”, novamente, o verso denota a impossibilidade que a personagem tem de ser feliz com pessoas do sexo oposto, revelando, portanto, sua inversão absoluta, isto é, a atração objetal só ocorre pela pessoa do mesmo sexo (Freud, 1905/2006).
A última estrofe traz a questão do Complexo de Édipo. A “escolha feita inconsciente” procede do seguinte modo: a menina precisa transferir para o pai o amor objetal, até então, endereçado à mãe, passando, a partir disso, a identificar-se com esta (Costa, 2010). Se tal transferência não ocorrer, a menina ficará fixada em sua relação de pele com a mãe e não apresentará o caráter passivo de sua sexualidade natural, ou seja, o desejo de ser penetrada (Aberastury e Knobel, 1981). Determina-se então o objeto sexual da personagem: uma mulher.
Por fim, a personagem parece ter definitivamente abdicado de suas paixões objetais, visto que aceita alguém do sexo oposto como parceiro. Contudo, não por meio de uma conquista romântica, mas por acreditar que é o melhor caminho a ser tomado. Como efeito, o homem, cuja escolha objetal está direcionada ao sexo feminino, sente-se satisfeito em sua relação afetiva com a moça. Enquanto esta, encarecidamente, conforma-se com o amor unilateral, no qual se submete ciente de que não encontrará completude e sequer será feliz nessa união: Homem feliz, mulher carente”. E a outra moça? "A linda rosa perdeu pro cravo”.


Referências Bibliográficas:
ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Maurício, Adolescência Normal: um enfoque psicanalítico, Porto Alegre, Artes medicas, 1981.
COSTA, Teresinha, Édipo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2010.
FREUD, Sigmund, O Ego e o Id (1923), edição standard brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 19xx. (Originalmente publicado em 2006).
FREUD, Sigmund, Três Ensaios sobre Sexualidade (1905), edição standard brasileira, Rio de janeiro: Imago, 19xx. (Originalmente publicado em 2006).


1 comentários:

  1. Unknown disse...:

    Que interpretação! Exatamente como vejo essa música lindíssima.

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