Larissa Rossi Silva, acadêmica do terceiro período de Psicologia da PUCPR Toledo.
Resenha corrigida pela professora da PUCPR Toledo Miriam Izolina Padoin Dalla Rosa.
"Linda Rosa", de Maria Gadú
A música Linda Rosa, cuja composição é obra de Gugu
Peixoto e Luíz Kiari, ficou conhecida na voz da cantora Maria Gadú:
Pior do que o melhor de dois
Melhor do que sofrer depois
Se é isso que me tem ao certo
A moça de sorriso aberto
Ingênua de vestido assusta
Afasta-me do ego imposto
Ouvinte claro, brilho no rosto
Abandonada por falta de gosto
Agora sei não mais reclama,
Pois dores são incapazes
E pobre desses rapazes
Que tentam lhe fazer feliz
Escolha feita, inconsciente
De coração não mais roubado
Homem feliz, mulher carente
A linda rosa perdeu pro cravo
Pretende-se
aqui, tecer uma análise interpretativa do conteúdo dessa música a partir da
teoria psicanalítica. É importante frisar, entretanto, que esta interpretação
parte de um ponto de vista específico, podendo também ser vislumbrada a partir
de outros vieses.
Na
primeira estrofe, é possível estabelecer uma sinopse da história que será
desenrolada: aquela em que narra a trama, conta seu desconsolo ao saber da moça
que a encantou “moça de sorriso aberto”,
a preferência em abrir mão de um relacionamento amoroso entre duas pessoas, ao
ter que sofrer nessa circunstância. Trata-se, portanto, do apreço existente na
relação entre duas mulheres que se amam, onde uma delas enfrenta um dilema, o
qual, parece ter sido resolvido.
A
narradora surpreende-se, no primeiro verso da segunda estrofe, “ingênua de vestido assusta”, com a
aparência feminina, pelo visto, incomum da moça (personagem). Embasando-se no
texto de Freud, Três Ensaios Sobre a Sexualidade,
o objeto sexual da personagem, isto é, “a pessoa de quem provém a atração
sexual” (Freud, 1905/2006, p. 128) diz respeito ao sexo feminino. Esse texto
aborda a escolha de objeto homossexual, e discute a teoria do hermafroditismo
psíquico. Freud acredita que, a mulher, nessas condições, sente-se como se sua
psique fosse masculina e, então, passa a comportar-se como tal. Sobre essas
considerações, Freud ressalva o fato de que essa não é uma característica
universal seja entre mulheres ou homens (Freud, 1905/2007), porém, pode ser visualizada
na música em questão.
O
segundo verso da mesma estrofe faz menção a um conceito primordial da teoria
psicanalítica: a segunda tópica freudiana - constituída pela definição de id,
ego e superego. O ego, segundo Freud (1923/2006, p.39), “representa o que pode
ser chamado de razão e senso comum” e exerce uma resistência sobre os conteúdos
inconscientes, controlando, dessa forma, o id, o qual é constituído pelas
paixões, ou melhor, pelas pulsões. A terceira instância, o superego,
internalizado após a passagem pelo Complexo de Édipo, tem por característica
ser punitivo ao impor o que é considerado correto pela cultura de uma sociedade
- nesse caso, amar de modo heterossexual (Freud, 1923/2006). Assim sendo, o
verso “afasta-me do ego imposto”
simboliza o anseio de poder viver conforme seus desejos, sem as repressões e repreensões
advindas da sociedade e do próprio superego.
Nas
relações da personagem com o sexo oposto, faltava-lhe o sentimento recíproco. O
homem, sem alternativa, passava a ser ouvinte das confissões da moça, cuja
escolha objetal a impedia de amá-lo. Devido a isso, era abandonada, conforme os
dois últimos versos da segunda estrofe.
A
terceira estrofe - mais precisamente os dois primeiros versos - indica a
conformação da personagem “agora sei não
mais reclama” com sua escolha objetal e, por conseguinte, com seu
sofrimento “pois dores são incapazes”,
visto que as dores não são capazes de fazê-la amar os homens, tampouco, são
suficientes suscitar a coragem de assumir sua posição sexual na relação com o
outro. “E pobre desses rapazes que tentam
lhe fazer feliz”, novamente, o verso denota a impossibilidade que a
personagem tem de ser feliz com pessoas do sexo oposto, revelando, portanto,
sua inversão absoluta, isto é, a
atração objetal só ocorre pela pessoa do mesmo sexo (Freud, 1905/2006).
A
última estrofe traz a questão do Complexo de Édipo. A “escolha feita inconsciente” procede do seguinte modo: a menina
precisa transferir para o pai o amor objetal, até então, endereçado à mãe,
passando, a partir disso, a identificar-se com esta (Costa, 2010). Se tal
transferência não ocorrer, a menina ficará fixada em sua relação de pele com a
mãe e não apresentará o caráter passivo de sua sexualidade natural, ou seja, o desejo
de ser penetrada (Aberastury e Knobel, 1981). Determina-se então o objeto
sexual da personagem: uma mulher.
Por
fim, a personagem parece ter definitivamente abdicado de suas paixões objetais,
visto que aceita alguém do sexo oposto como parceiro. Contudo, não por meio de
uma conquista romântica, mas por acreditar que é o melhor caminho a ser tomado.
Como efeito, o homem, cuja escolha objetal está direcionada ao sexo feminino,
sente-se satisfeito em sua relação afetiva com a moça. Enquanto esta, encarecidamente,
conforma-se com o amor unilateral, no qual se submete ciente de que não
encontrará completude e sequer será feliz nessa união: “Homem feliz, mulher carente”. E a outra moça? "A linda rosa perdeu pro cravo”.
Referências
Bibliográficas:
ABERASTURY, Arminda;
KNOBEL, Maurício, Adolescência Normal: um
enfoque psicanalítico, Porto Alegre, Artes medicas, 1981.
COSTA, Teresinha, Édipo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.,
2010.
FREUD, Sigmund, O Ego e o Id (1923), edição standard
brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 19xx. (Originalmente publicado em 2006).
FREUD, Sigmund, Três Ensaios sobre Sexualidade (1905),
edição standard brasileira, Rio de janeiro: Imago, 19xx. (Originalmente
publicado em 2006).
Que interpretação! Exatamente como vejo essa música lindíssima.