Tamara Joelma Kunzler, acadêmica do 4 ano de Psicologia da PUCPR Toledo.
Decretada pelo Congresso
Nacional e sancionada em 06 de Abril de 2001 pelo então Presidente da Republica
Fernando Henrique Cardoso, a Lei Nº 10.216 que configura-se como Reforma Psiquiátrica se caracteriza por dispor sobre a proteção e o
direito das pessoas com transtornos mentais e tentar redirecionar o modelo
assistencial em saúde
mental no país. Para esse, a pretensão é
além de caracterizá-la, também refletir sobre o que se passou nos últimos dez
anos no campo da saúde mental no país, e mais especificamente no estado do Paraná. A
proposta é também discutir sobre a expectativa que havia antes da Lei se tornar
realidade e o que efetivamente se conquistou após sua sansão.
Primeiramente, passamos ao
que a Lei garante como direitos à pessoa portadora de transtorno mental no Art.
2º:
“Parágrafo
único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I – ter acesso ao
melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades; II –
ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar
sua saúde, visando a alcançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade; III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e
exploração; IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas; V – ter
direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou
não de sua hospitalização involuntária; VI – ter livre acesso aos meios de
comunicação disponíveis; VII – receber o maior número de informações a respeito
de sua doença e de seu tratamento; VIII – ser tratada em ambiente terapêutico
pelos meios menos invasivos possíveis; IX – ser tratada, preferencialmente, em
serviços comunitários de saúde mental” (BRASIL, 2004, p.17).
Na proposta se visa a reinserção social do paciente, e
consta na própria Lei que esta ação, ou seja, o desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de
transtornos mentais, é primeiramente de responsabilidade do Estado, a qual será
prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições
ou unidades que ofereçam assistência em saúde a estes indivíduos.
Sendo assim, segundo o artigo 4º desta legislação, “a
internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” (BRASIL, 2004, p.18).
Mas, infelizmente, ali não constam quais os recursos extra-hospitalares que
serão instituídos ou disponibilizados. Sabemos sim que o que se pretende são
aumentar as instâncias fortalecedoras de vínculos, que favoreçam a convivência
em “meio aberto” dos portadores de transtorno mental, com os devidos
tratamentos. Quando, por outro lado, for realmente necessária a internação,
como coloca a legislação no segundo parágrafo do artigo anteriormente
mencionado,
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2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo
serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer,
e outros.” (BRASIL, 2004, p.18).
Sendo,
ainda:
Ҥ
3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos
recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos
enumerados no parágrafo único do Art. 2º” (BRASIL, 2004, p.18).
Há mais uma informação interessante. Em um artigo
subseqüente (Art. 5º) da Lei, encontra-se disposto que para os pacientes há
muito tempo hospitalizados, que já se encontram em um certo nível de
dependência institucional tanto por decorrência do próprio caso clínico ou por
falta de suporte social (familiares ou demais cuidadores responsáveis), o mesmo
será objeto de
política específica, contando com “alta planejada e reabilitação psicossocial
assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão
de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do
tratamento” (BRASIL, 2004, p.18).
Várias são as propostas colocadas no papel. No entanto
vemos que a realidade ainda carece de muitos esforços. Por isso trazemos,
agora, baseadas na Revista Contato (Edição Mai/Jun 2011) um
panorama de como se encontrava a situação da Saúde Mental no ano de 2001, e como se encontra
atualmente, em 2011. Até a implantação da Lei da Reforma
Psiquiátrica, os atendimentos às pessoas com transtornos mentais se
restringiam, essencialmente, à oferta dos leitos psiquiátricos, ou seja, os
antigos manicômios.
Vemos que esse quadro, em várias regiões, já
progrediu. E ainda bem,
já que a Lei foi criada não para meramente retirar os portadores de transtornos
mentais da hospitalização e “jogá-los” de volta em casa. Pelo contrário,
ela só teve efeito porque pensou-se e planejou-se uma ampliação dos demais
sistemas de auxílio da rede para possibilitar a reinserção psicossocial a que se propõe.
Desta forma, não são mais
apenas os leitos psiquiátricos para o tratamento da pessoa com transtorno
mental disponíveis. Previu-se a implantação de uma Rede de Atenção à Saúde
Mental, dispondo de vários equipamentos que só vem a somar no manejo do
tratamento com estes pacientes. Desta forma, em 2011, os dados disponibilizados
pela Rede do Estado do Paraná mostram que o sistema hoje conta com 2.542
Unidades Básicas de Saúde (UBS); 78 Núcleos de Atenção à Saúde da Familia
(NASF); 95 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); 54 Ambulatórios em saúde
mental – incluindo-se tanto ambulatórios especializados em saúde mental, quanto
ambulatórios de especialidades gerais, dos Consórcios Intermunicipais de saúde
(CIS); 22 Residências Terapêuticas; 3.248 leitos psiquiátricos para internação;
540 leitos em hospitais dia.
Aqui, torna-se interessante fazer um adendo em parágrafo especial para
a comparação dos leitos psiquiátricos disponibilizados. Dados do Ministério da
Saúde apontam que, até 2005, havia 2.688 leitos psiquiátricos no Paraná,
distribuídos em 17 estabelecimentos manicomiais. Ao passo que hoje, em 2011,
são 3.248 leitos, em hospitais psiquiátricos e hospitais gerais. Agora,
trazemos o seguinte questionamento: por que com tamanha quantidade de novos
serviços sendo disponibilizados e instituídos nos municípios do Paraná para dar
base à Rede de Atenção á Saúde Mental, o número de leitos psiquiátricos
dispostos para internamentos em vez de diminuir, aumentou?
Uma breve explicação que
temos prontamente para isso é, tendo consciência de um aspecto já mencionado,
que as internações são previstas em Lei quando justamente aqueles recursos
extra-hospitalares (CAPS, ambulatórios, Unidades Básicas de Saúde
e os Serviços Comunitários de Saúde Mental) se mostrarem ineficientes, seria porque ainda não estão
dando conta da demanda. Já a resposta do Ministério da Saúde (Indicação de
Portaria 224/92) para esta questão é que deve-se aumentar o número de leitos
psiquiátricos em hospitais gerais, por este motivo ainda não houve diminuição
nos demais hospitais já existentes. No Paraná, entretanto, os leitos psiquiátricos
ofertados conforme indica a lei em hospitais gerais é menos de 10% do total, e
o restante (92%) ainda encontram-se em instituições psiquiátricas. Fato que não possibilitará tão cedo a
inutilização dos hospitais psiquiátricos do Estado.
Por um lado, vemos a grandiosa quantidade de novas instâncias para tratamento
e auxílio da pessoa com transtornos mentais e, de outro, vemos a resistência
que a própria Rede de Atenção à Saúde Mental e seus fundadores ainda possuem
quanto à sua efetividade. Bleger trás o conceito de Resistência como um dos
princípios que regem a ação da Psicologia Institucional, afirmando que a
resistência é inevitável e irá acontecer em qualquer âmbito do trabalho,
aparecendo de forma implícita ou explícita, mas é o investigar a resistência
que configurar-se-á parte fundamental da tarefa do profissional, e, ao
investigar, o psicólogo constituir-se-á “infalivelmente e só por este fato, em
um agente de mudança, que pode incrementar [já existentes] ou promover [novas]
resistências”.
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